Por Hugo Mariano – Proprietário da Anko Corretora de Seguros (Recife-PE), Corretor Ouro, influenciador e colunista da Lojacorr.
O mercado de seguros no Brasil deu um passo importante com a instituição do Marco Legal do Seguro, que trouxe avanços significativos para regulamentar, modernizar e organizar o setor. Mais do que uma inovação legislativa, essa lei formaliza práticas e entendimentos que já vinham sendo arbitrados pelos tribunais ao longo dos anos.
De onde viemos: a insegurança da ausência de regras claras
Historicamente, muitas questões relacionadas aos seguros eram resolvidas na base da interpretação judicial. Conceitos como transparência contratual, prazos razoáveis para recusa de propostas e a garantia do interesse lícito do segurado surgiam frequentemente nos tribunais. Essa realidade refletia a carência de uma legislação específica e clara para o setor.
Por exemplo, a falta de regras objetivas sobre cancelamentos de contratos por atraso no pagamento de parcelas levava a uma grande judicialização. Em muitos casos, tribunais garantiam a manutenção da cobertura ou determinavam que os segurados fossem notificados previamente antes de qualquer cancelamento. No entanto, esses entendimentos variavam entre diferentes instâncias e regiões, gerando insegurança para consumidores e seguradoras.
O que muda com o Marco Legal do Seguro
A nova legislação consolida no texto legal o que os tribunais já vinham decidindo, além de modernizar e alinhar o mercado de seguros a padrões internacionais. Alguns pontos de destaque incluem:
- Prazo de 25 dias úteis para recusa de propostas: Antes, a jurisprudência determinava que seguradoras deveriam agir em um “prazo razoável”, mas não havia definição clara. Agora, o Marco estabelece um limite preciso: se a seguradora não se manifestar nesse prazo, a proposta é considerada aceita.
- Notificação obrigatória no atraso de parcelas: O Marco Legal obriga as seguradoras a notificarem o segurado sobre atrasos e a concederem prazo para regularização antes de encerrar o contrato. Isso impede cancelamentos automáticos ou abruptos e garante mais segurança ao consumidor.
- Proibição de cancelamento unilateral sem justificativa válida: Cancelamentos unilaterais agora só podem ocorrer mediante justificativa válida. Essa medida protege os segurados de decisões arbitrárias que prejudiquem sua segurança financeira e limita encerramentos baseados em critérios subjetivos ou comerciais.
- Transparência e clareza nos contratos: Reforçando os princípios do Código de Defesa do Consumidor, o Marco obriga seguradoras a apresentarem informações claras e acessíveis, reduzindo as chamadas “letras miúdas”.
- Interesse lícito como condição para validade do contrato: A legislação formaliza a exigência de que o seguro seja vinculado a um interesse lícito do segurado ou beneficiário, consolidando o entendimento dos tribunais.
- Seguros inovadores e flexíveis: O Marco Legal abre espaço para novos formatos, como seguros intermitentes (contratados sob demanda). Contudo, como corretor, acredito que o conceito de seguros intermitentes vai de encontro ao princípio básico do seguro, que é a proteção contra eventos futuros e incertos. Esse tipo de seguro tenta criar uma previsibilidade que não reflete a realidade dos riscos, podendo comprometer a essência do contrato de seguro.
Possíveis aplicações para seguros
Com a modernização trazida pelo Marco Legal, o mercado pode explorar novas possibilidades antes pouco desenvolvidas. Um exemplo claro são os seguros paramétricos, que se baseiam em eventos pré-estabelecidos, como índices climáticos ou desastres naturais, para disparar indenizações automáticas.
Exemplo de aplicação:
- Seguro agrícola: Um agricultor pode contratar um seguro paramétrico para proteger sua safra. Caso o índice de chuva fique abaixo de um nível crítico em determinado período, o pagamento é feito automaticamente, sem necessidade de comprovação direta dos danos.
Esses produtos têm potencial para agilizar o mercado, mas também trazem desafios, como a necessidade de tecnologias avançadas para monitoramento de parâmetros e a adequação às novas regulamentações.
O papel dos tribunais: de protagonistas a guardiões da lei
Com o Marco Legal, os tribunais deixam de ser os principais agentes reguladores do setor para assumir um papel de fiscalização do cumprimento das regras estabelecidas. Isso significa que as cortes agora aplicam uma legislação clara, reduzindo interpretações amplas e disputas judiciais.
Por outro lado, a nova legislação também deve diminuir a judicialização, já que seguradoras e consumidores contam com diretrizes objetivas, eliminando muitas das zonas cinzentas que antes geravam conflitos.
Conclusão
O Marco Legal do Seguro é um marco na organização do setor e na proteção dos direitos dos consumidores. Ele consolida práticas judiciais em um texto legal uniforme e abrangente, garantindo maior segurança jurídica para todas as partes envolvidas.
Essa evolução moderniza o mercado e reforça a confiança no setor de seguros como um pilar essencial de proteção social e econômica no Brasil. O desafio será assegurar que as novas regras sejam implementadas de forma efetiva, beneficiando corretores e consumidores, sem comprometer a dinâmica do mercado.
Para os corretores, o Marco Legal representa tanto uma oportunidade quanto um desafio. A adaptação a um mercado mais regulado e a produtos inovadores, como os seguros intermitentes e paramétricos, exige capacitação e revisão de práticas, mas também abre portas para oferecer soluções mais modernas e alinhadas às necessidades dos consumidores.