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Marco dos seguros

Novo marco legal do setor de seguros retorna à Câmara dos Deputados

Projeto aborda princípios, regras, carências, prazos e normas e divide opiniões de especialistas.

Marco dos seguros retorna à Câmara dos Deputados.
Plenário da Câmara dos Deputados. Fonte: Governo Federal.

O Projeto de Lei Complementar (PLC) 29/2017, que visa estabelecer um novo marco legal para o setor de seguros privados no Brasil, foi aprovado pelo Senado e agora retorna à Câmara dos Deputados. Especialistas do setor estão divididos quanto ao impacto desta mudança, que tem seus pontos positivos e negativos.

Segundo a CNseg (Confederação Nacional das Seguradoras), a aprovação segue o previsto, resultado de um diálogo abrangente entre o setor segurador, o Ministério da Fazenda, a Susep (Superintendência de Seguros Privados) e o Senado. Esteves Colnago, diretor de relações institucionais da CNseg, destacou que o PLC 29 consolida o marco legal do setor e beneficia os segurados.

O projeto, conhecido como marco nacional dos seguros, aborda princípios, regras, carências, prazos e normas para seguros individuais e coletivos.

Para Glauce Carvalhal, diretora jurídica da CNseg, o projeto é vital para alinhar a legislação brasileira com modelos de países como Itália, França, Portugal, Espanha, Argentina e Chile. Ela acredita que a nova lei trará clareza e previsibilidade para consumidores e seguradoras.

Ernesto Tzirulnik, presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS) e um dos idealizadores do projeto, comemorou a aprovação. Ele afirmou que o PLC 29 é pioneiro e que, com a sua implementação, o Brasil terá uma lei de contrato de seguro que fortalecerá o mercado e oferecerá maior segurança jurídica.

No entanto, há críticas. Renato Chalfin, advogado do escritório Chalfin, Goldberg & Vainboim, vê aspectos negativos na versão atual do projeto, como a desconexão com avanços regulatórios e tecnológicos e um viés excessivamente protetivo aos segurados, que pode encarecer os seguros e reduzir o acesso a produtos.

Lorena Bentes, advogada do escritório Fonseca Brasil Advogados, também critica o projeto, citando a insegurança jurídica devido à tramitação simultânea com o anteprojeto do Novo Código Civil. Marcia Cicarelli, sócia do escritório Demarest, destaca a preocupação de seguradoras e resseguradoras com emendas que não foram aprovadas, afetando a colocação de riscos no mercado internacional e potencialmente aumentando os preços.

Bárbara Bassani, do escritório TozziniFreire Advogados, lamenta a aprovação do PLC 29/2017, ressaltando a necessidade de diálogo com a atualização do Código Civil. Claudio Mauro Henrique Daólio, sócio do escritório Pitombo Advogados, comenta que o PLC 29 tenta dinamizar a economia, mas critica a falta de compatibilização com as reformas legislativas em curso.

Marcos Poliszezuk, da Poliszezuk Advogados, vê a regulação do sinistro como um ponto positivo, exigindo transparência das seguradoras nas decisões de cobertura, mas também vê desafios na implementação.

Pontos positivos e negativos do novo marco dos seguros

A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) aprovou em junho o projeto de lei que consolida e atualiza normas para o mercado de seguro privado no país. Conhecida como marco dos seguros, a proposta (PLC 29/2017) tem o objetivo de modernizar e aprimorar as regras de contratos de seguros, para conferir mais segurança jurídica às transações. 

De acordo com o advogado especialista em Direito do Seguro e sócio do escritório Agrifoglio Vianna, Lúcio Roca Bragança, o marco de seguros pretende disciplinar integralmente a contratação de seguros privados no Brasil. “Tudo o que concerne ao contrato de seguros estará normatizado nesta Lei, que revogará integralmente o capítulo que trata do seguro no Código Civil. Todas as disposições pré-contratuais, bem como o controle de conteúdo do contrato, o que pode ter, o que não pode e, ainda, a eficácia pós-contratual estarão disciplinadas em uma única norma. Há ainda algumas disposições relativas ao contrato de resseguro”, explica. “Por outro lado, aquilo que diz respeito à atuação da Susep e ao controle administrativo permanece tendo no Decreto-Lei 73/66 a sua principal fonte legislativa”, observa.

Mesmo modernizada, a nova redação ainda não favorece tanto a aproximação do público com o setor. Na visão de Bragança, por mais que se queira simplificar a linguagem legislativa e facilitar a sua compreensão pelo público leigo, o contrato de seguro não deixa de ser um contrato complexo.  

“O setor de seguros ainda tem muito a se aprimorar na redação das cláusulas e o projeto de lei por si só, não irá resolver isso”, analisa. “Hoje em dia, com uma maior flexibilidade na redação do clausulado, há a tendência de uma maior variedade de produtos e serviços e, quando a oferta é muito grande, pode ficar mais difícil de encontrar a cobertura que atende as reais necessidades do consumidor. Isso para não falar na compreensão de termos técnicos e necessidade de interpretação harmônica quando o contrato dispõe de condições gerais, especiais e particulares.”

Neste cenário, o corretor de seguros continua sendo uma peça-chave. “Diria que o corretor é ainda uma figura essencial para garantir que os interesses do consumidor sejam atendidos e a cobertura contratada seja a efetivamente aquela que se busca”, frisa.

Maior segurança jurídica ao consumidor

Algumas medidas são previstas no marco dos seguros para garantir mais segurança jurídica ao consumidor. “O projeto de lei busca disciplinar algumas situações que não fazem parte do texto legislativo atual, mas encontram-se já consolidadas pela jurisprudência”, explica o advogado especialista. 

“Por exemplo, o Código Civil atual possui uma disposição segundo a qual as obrigações com dia certo de vencimento acarretam a mora a partir do seu inadimplemento. Outra disposição, específica do contrato de seguro, determina que o segurado em mora não terá direito à cobertura. 

Com base nestes dois artigos, se poderia muito bem concluir que o segurado que não pagar no dia e tiver sinistro não receberá a cobertura. Mas os tribunais vieram a criar uma obrigação para a seguradora que não está na lei, qual seja: a seguradora não poderá negar um sinistro por mora se não notificar antes o segurado”, pontua.

“No marco de seguros proposto, esta situação está expressamente prevista no mesmo sentido da jurisprudência majoritária atual, ou seja, o consumidor tem muito mais segurança de que o entendimento não pode variar conforme o órgão judicial que apreciar o caso, já que agora se tratará de determinação legal. E assim há diversas outras normas que buscam proteger aos segurados, como referentes ao agravamento de risco, prescrição, vinculação obrigatória da defesa judicial ao motivo que ensejou a negativa de sinistro etc.”, esclarece.

Regulamentação do resseguro e retrocessão

De acordo com o Bragança, o tema resseguro, por sua própria natureza, é um tema internacional. Os grandes sinistros, as catástrofes, os desastres naturais, não têm condições de serem absorvidos por uma única seguradora, ou mesmo por uma única resseguradora. É preciso que o risco seja pulverizado no mercado internacional para que a sua cobertura seja viável. 

“Nessa teia de relações, prevalecem os usos e os costumes internacionais, juntamente com o próprio teor dos contratos. Em nenhum lugar civilizado, se disciplina legalmente o contrato de resseguro, pois se trata de relação entre iguais: seguradora e resseguradora, que têm plena capacidade de se entender entre si sem necessidade de intervenção do Estado. Por isso, a disciplina dada pelo marco de seguros ao resseguro só pode significar um ambiente menos favorável aos negócios com um aumento do preço, que, em última análise será repassada ao público brasileiro”, vê como ponto negativo.

“Veja-se, por exemplo, a norma que determina o aceite tácito da proposta de resseguro em caso de ausência de recusa expressa no prazo de 20 dias. É crível a contratação, digamos, de resseguro para uma frota de aviões através da mera omissão em responder?”, justifica.

Projeto polêmico

Entre os profissionais do setor de seguros, há uma diversidade de opiniões sobre os pontos negativos e positivos da proposta. “Conversei com José Eduardo Cardozo, deputado federal que propôs o projeto original, e ele me passou a perspectiva de que foi uma atuação preventiva para evitar que um texto mais nocivo viesse a ser aprovado”, comenta Bragança.

De toda forma, o advogado especialista analisa alguns dados objetivos:

“Todo investimento privado demanda segurança. Quem irá investir sem perspectiva de ter um retorno? E, naturalmente, quanto maior o risco, maior o retorno exigido. Ora, quando é publicada uma nova lei, ela ganha personalidade própria, se torna independente de quem a propôs (comissão de juristas) e mesmo de quem a aprovou (Congresso Nacional).  Isso significa dizer que ninguém pode prever exatamente como será interpretada, ainda mais quando se trata de uma lei tão completa e com tantas disposições inovadoras como é o marco de seguros.”

Por essa análise, ele considera inevitável que venha um ambiente de insegurança jurídica. “Usualmente se diz que leva 10 anos para a jurisprudência estabilizar a interpretação de uma lei, mas a verdade é que pode levar muito mais. O nosso Código Civil atual, por exemplo, está em vigor desde 2002, mas o Superior Tribunal de Justiça só veio a disciplinar o dever de informação do Estipulante no Seguro em Grupo em 2023, ou seja, foram necessários 20 anos. Durante 20 anos não se sabia ao certo no Brasil se o dever de informação ao consumidor era da seguradora ou do estipulante! E assim há diversos outros casos, como a cobertura de IFPD, que somente foi considerada válida por precedente vinculante em novembro de 2021, ou seja, mais de 15 anos depois de sua instituição pela Circular 302/2005”, aponta.

Portanto, em sua visão, a perspectiva é de que essa incerteza jurídica venha a ser precificada, juntamente com os custos de adequação dos contratos, treinamento, impacto do resseguro, coberturas mais extensivas, entre outros. “Ou seja, a perspectiva do marco dos seguros é de aumento dos preços em um primeiro momento”, prevê.