Apesar de muitas empresas estarem chamando seus trabalhadores de volta ao modelo presencial, essa não é a regra geral. Especialistas em gestão de pessoas, inclusive, defendem que as corporações que exigem a presença diária podem perder uma grande oportunidade de termos uma sociedade melhor. Essa visão é defendida pelo escritor do Financial Times Simon Kuper, por exemplo.
É verdade que, em 2022, a prática do modelo remoto caiu no Brasil. Conforme a FGV, em 2021 a adoção chegava a 58% devido aos picos da pandemia da covid; em 2022, ela caiu para 33% e tem se estabilizado. Por outro lado, cada vez mais empresas de diversas áreas, com destaque para o setor de business to business e de serviços, descobrem os benefícios do formato.
E quem aposta no modelo remoto tem encontrado benefícios em inúmeras áreas. Uma delas é ambiental: o trabalho remoto pode reduzir a pegada de carbono dos funcionários em 54%. Essa foi a conclusão da nova pesquisa realizada pela Universidade Cornell, do estado de Nova York, nos EUA. A sondagem foi conduzida em parceria com a Microsoft e publicada na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (Procedimentos da Academia de Ciências Nacional, em português). No texto, a entidade mostra que o trabalho remoto não trata apenas de um estilo de vida, pois tem também grandes benefícios ambientais, visto que não há deslocamentos de trânsito como antigamente, entre outras questões. Em alguns casos, os funcionários ganham de duas a três horas por dia evitando o deslocamento.
No fundo, a maior parte dos especialistas em Gestão de Pessoas conclui que os últimos três anos e meio, desde o início da pandemia, são pouco tempo para determinar o futuro do trabalho. Em vista disso, as empresas devem analisar caso a caso o melhor formato para seus negócios. E sempre levando em conta a importante preocupação com a saúde mental de seus colaboradores, um grande desafio dos nossos dias e que requer grande atenção dos gestores de recursos humanos.
Trabalho remoto: o case da Lojacorr
Como em quase todas as organizações, na Lojacorr o modelo remoto foi consequência da pandemia da covid. Conforme conta a gerente de Gente e Gestão da Lojacorr, Luciana Grande, os colaboradores levaram seus equipamentos para casa e todos esperaram que tudo melhorasse. Porém, a estabilização sanitária custou a chegar, como todos nós lembramos bem. Foram meses de bastante ansiedade e expectativa.
“Ao mesmo tempo, ao longo do ano de 2021, os gestores da Lojacorr constataram que a produtividade estava de vento em popa, com muitas entregas e resultados”, conta Luciana. “O trabalho da Lojacorr não deixou de ser feito. O atendimento aos corretores, as entregas das áreas, enfim, nada parou por conta da pandemia ou do trabalho remoto”, ela salienta.
E como houve muita indefinição dos rumos da pandemia, muitas empresas entraram num movimento de apostar no home office em definitivo, conforme recorda a gerente. “Na Lojacorr, a diretoria tomou essa decisão e optou por um modelo de trabalho mais flexível, como é o caso do home office. Ou mesmo do anywhere office, que é a oportunidade de você trabalhar não somente na sua cidade, mas se você estiver em alguma outra parte do Brasil, de forma temporária, isso poderia funcionar muito bem.” E é isso que tem sido praticado em 2023, com excelentes resultados.
Contratações no modelo remoto
Com a adoção do modelo remoto, outro grande benefício é a possibilidade de ampliar o time para outras cidades. “Nós também acabamos contratando pessoas de outras cidades, de fora de Curitiba e São José dos Pinhas. Isso porque foi revista a estrutura física da empresa, que antes tinha uma grande estrutura de 4 andares no Centro de Curitiba. A empresa acabou indo para um prédio menor, em São José dos Pinhas, como um ponto de apoio. Ali temos nossa base de encontros, de atendimento para corretores que são nossos clientes e colaboradores, sempre que necessário. Sabemos que as equipes precisam se encontrar com alguma frequência para trabalhos conjuntos, e isso é possível na sede”, explica a gerente.
Dessa forma, quem mora em Curitiba ou região metropolitana pode usar livremente o espaço da Lojacorr em São José dos Pinhais. “Também em São Paulo temos um escritório, e os colaboradores que moram nessa região podem aproveitar para trabalhar presencialmente, sempre combinado com o seu gestor. E esse modelo tem dado certo, com muita produtividade e qualidade no atendimento ao cliente.”
Como funciona na prática?
Hoje a Lojacorr não tem nenhuma rotina específica ou obrigatória relacionada ao trabalho presencial. Não é adotado o trabalho híbrido de maneira formal. “Deixamos muito a cargo dos gestores a iniciativa de convidar suas equipes para, seja uma vez por semana, ou a cada 15 dias, uma vez por mês, estarem juntos presencialmente na sede em São José dos Pinhais ou até mesmo em São Paulo, para promover esse momento de integração”, explica a gerente.
No caso do time de Gente e Gestão, Luciana explica que ela própria se propõe a estar na sede pelo menos uma vez por semana ou a cada 15 dias. Mas a equipe fica bastante livre em relação a isso. “Sempre temos algum evento, por exemplo, um café, ou vamos almoçar juntos, ou fazemos alguma dinâmica de integração com a equipe. Eu sempre aviso com antecedência para que as pessoas possam se programar e estar presente no dia. E realmente é um dia de festa, de alegria, no sentido de que a gente está junto, consegue abraçar os nossos colegas, consegue ter uma conversa mais olho no olho. É importante perceber outras nuances que a gente não consegue perceber no virtual. E eu tenho percebido que outras equipes da Lojacorr também têm seguido esse mesmo caminho. Eles têm criado rotinas esporádicas de convidar suas equipes para participarem de momentos de integração das áreas ou até entre áreas. Por exemplo, a equipe de TI faz muito isso, bem como a equipe de operações. Mas não há uma determinação ou uma orientação, damos liberdade no sentido de plena confiança para que cada gestor possa organizar esses momentos da melhor forma com as suas equipes. E tem funcionado muito bem!”
Como garantir produtividade no modelo remoto?
Para Cristina Goldschmidt, professora da FGV e especialista em Liderança e Gestão, é preciso ter critérios claros para avaliar dados de produtividade relacionados ao modelo de trabalho. Em sua opinião, a análise deve ser qualitativa e realizada a cada caso, não somente quantitativa.
Por exemplo, conforme estudo da Universidade de Stanford, algumas pessoas podem enfrentar desafios para se comunicar no modelo remoto, ou para ativar níveis mais criativos, ou mesmo deparar-se com a solidão de forma opressora.
Na Lojacorr, a quantidade de colaboradores era menor antes da adoção do modelo remoto. “De cerca de 70, 80 colaboradores, hoje temos praticamente o dobro. É claro que o modelo remoto também tem as suas restrições, principalmente com relação à conexão das equipes, e pode haver algumas perdas, muito mais com relação ao relacionamento, ao contato, conexão, trocas, cocriação. Mas a produtividade em si, as entregas, aquilo que cada um sabe que precisa ser feito, nisso não temos nenhum prejuízo”, destaca Luciana.
Trabalho remoto traz maior qualidade de vida
“Estamos nos adaptando para garantir o trabalho remoto sem perder a questão de qualidade de vida que o home office proporciona, mas também sem perder a conexão”, comemora Luciana Grande. Para isso, ela sugere “estabelecer uma conexão cada vez melhor, mais produtiva, mais próxima com os nossos colegas, que agora ficaram todos distantes. E por isso a gente precisa estar sempre em um espírito aberto às trocas, para trabalhar com criatividade, inovação e também com a colaboração, que é um dos valores da empresa.”
Como é o perfil de uma empresa saudável em seu modelo de trabalho remoto?
Para muitas empresas, o modelo remoto ainda é uma novidade. Muitas enfrentam o desafio de manter a conexão entre os colaboradores, de ir para além da telinha. “Ao redor do mundo, empresas com cobertura geográfica grande, ou empresas de tecnologia têm encontrado grandes benefícios com o remoto, pois não têm essa necessidade de colaboradores estarem presentes diariamente, como é o caso de indústrias e de muitas empresas do varejo”, pondera Luciana.
“Já as empresas do modelo ‘business to business’ ou do setor de serviços, como é a nossa, conseguem se adaptar muito bem a esse modelo. Isso se deve ao desenvolvimento de políticas, benefícios e práticas de gestão de pessoas que consigam manter a conexão e o ambiente de colaboração. Sabemos que é um mega desafio, e pouquíssimas empresas ao redor do mundo conseguiram manter um clima 100% proveitoso ou 100% amistoso no trabalho remoto. Afinal, nós estamos trabalhando com seres humanos. Para nos sentirmos pertencentes a algo, precisamos de conexão. O modelo só será bem sucedido se investirmos na qualidade de vida do colaborador e na qualidade das relações entre colaboradores, das diferentes áreas, nos diversos níveis hierárquicos, junto a fornecedores, enfim, toda a rede de stakeholders”, conclui Luciana Grande.