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Coluna do influenciador

A sinistralidade nos planos de saúde: um dilema coletivo que exige responsabilidade compartilhada

Fraudes, judicialização e uso indiscriminado desafiam a sustentabilidade da saúde suplementar no Brasil

A sinistralidade nos planos de saúde: um dilema coletivo que exige responsabilidade compartilhada

Por Margot Valmorbida. Economista, pós-graduada em Gestão Contábil e Financeira; em Cooperativismo de Crédito e em Direito do Seguro. É diretora da Protteges Seguros, de Florianópolis (SC), e influenciadora da Lojacorr.

O Brasil vive um paradoxo que insiste em se repetir: a saúde é um direito fundamental assegurado pela Constituição, mas, na prática, continua sendo um privilégio para poucos. A incapacidade estrutural do SUS em garantir atendimento integral e de qualidade impulsiona milhões de brasileiros para os planos de saúde. Porém, esse movimento carrega um efeito colateral inevitável: a pressão sobre a sustentabilidade do setor de saúde suplementar.

A sinistralidade – índice que mede a relação entre despesas assistenciais e receitas obtidas – tornou-se o verdadeiro “termômetro” da saúde financeira das operadoras. Um nível elevado compromete a estabilidade do negócio e, consequentemente, a continuidade da assistência aos beneficiários. Mas o que está por trás desse aumento crescente? Fraudes, judicialização e uso indiscriminado dos serviços são peças-chave desse quebra-cabeça.

Fraudes: um crime que todos pagam

As fraudes contra os planos de saúde não são meros desvios isolados: representam um ataque direto ao patrimônio coletivo. Declarações falsas de saúde, utilização indevida de carteirinhas, pedidos de reembolso inflados, prolongamento desnecessário de internações e até conluios entre médicos, advogados e fornecedores formam um catálogo preocupante de práticas que corroem o sistema.

Em 2017, a ANS estimou que 18% das contas hospitalares continham fraudes, o que significou um desperdício de R$ 15 bilhões apenas nesse segmento. Quem arca com esse custo? O usuário honesto, que vê seu plano cada vez mais caro e, muitas vezes, com serviços precarizados. A fraude, nesse sentido, é um crime que ultrapassa a esfera econômica: compromete a qualidade da assistência e pode colocar vidas em risco.

Judicialização: o fio da navalha entre o direito e a sustentabilidade

Outro fator que desafia o equilíbrio do setor é a crescente judicialização. Ao recorrer à Justiça, o consumidor reivindica seu direito à saúde, amparado pelo Código de Defesa do Consumidor e pela própria Constituição. Em muitos casos, o Judiciário corrige abusos contratuais ou negativas indevidas de cobertura.

Entretanto, decisões reiteradas que obrigam operadoras a custear procedimentos fora do rol da ANS ou sem comprovação científica geram um efeito cascata: aumento da sinistralidade, repasse de custos para todos os beneficiários e, em última instância, exclusão de parte da população do acesso à saúde suplementar. É preciso, portanto, que o Judiciário atue com equilíbrio, ponderando não apenas o direito individual, mas também os impactos coletivos de suas decisões.

O papel do consumidor e da sociedade

É tentador colocar toda a responsabilidade sobre as operadoras ou sobre o Estado. Contudo, o problema da sinistralidade envolve corresponsabilidade. O uso consciente do plano de saúde deve ser uma premissa de cada beneficiário. Consultas desnecessárias, repetição de exames por mera conveniência e omissões intencionais em declarações de saúde alimentam a engrenagem que encarece o sistema para todos.

Ao mesmo tempo, cabe às operadoras investir em transparência, prevenção, medicina baseada em evidências e combate firme às fraudes. E ao Estado, fortalecer a regulação por meio da ANS, garantindo que o setor de saúde suplementar seja viável, mas também justo.

Conclusão: um pacto pela sustentabilidade

A sinistralidade não é apenas um indicador técnico: é reflexo da nossa incapacidade coletiva de lidar com a saúde como um bem comum. O aumento contínuo das fraudes e da judicialização evidencia que estamos diante de um dilema que não se resolverá com soluções isoladas.

É preciso um pacto social que envolva consumidores, operadoras, profissionais de saúde, Judiciário e Estado. Se a saúde é direito de todos e dever do Estado, a sustentabilidade dos planos privados deve ser entendida como um dever de todos. Caso contrário, corremos o risco de transformar um direito fundamental em um luxo inalcançável.