Por Margot Valmorbida. Economista, pós-graduada em Gestão Contábil e Financeira; em Cooperativismo de Crédito e em Direito do Seguro. É diretora da Protteges Seguros, de Florianópolis (SC), especialista em seguro saúde e influenciadora da Lojacorr.
As fraudes nos planos de saúde são tantas quanto as mentes mais ardilosas podem inventar. Existe um leque tão grande de formas, fraudes e situações das quais os indivíduos se utilizam para obter vantagens econômicas em detrimento das operadoras de saúde. Venda de medicamentos falsificados, exercício ilegal da medicina, cobrança de procedimentos que não foram realizados são alguns exemplos das práticas fraudulentas que são realizadas contra às prestadoras de saúde e consequentemente ao usuário do plano que tem sua mensalidade aumentada em virtude das perdas das operadoras (BERBICIZ, 2007).
Importante anotar que “a fraude reduz os recursos efetivamente disponíveis para a saúde, reduz a qualidade, equidade e eficácia dos serviços de saúde, diminui o volume e aumenta o custo dos serviços prestados” (CORDEIRO, 2018, p. 9).
Segundo o Referencial de Combate à Fraude e Corrupção do Tribunal de Contas da União, e aplicável a qualquer organização pública ou privada que possua servidores na administração fraude é “ato intencional praticado por um ou mais indivíduos, entre gestores, responsáveis pela governança, empregados ou terceiros, envolvendo o uso de falsidade para obter uma vantagem injusta ou ilegal” (TCU, 2018, p. 15).
Vale ressaltar que, para haver a fraude existem três requisitos essenciais, a saber, o ato intencional, uso de falsidade e a intenção de obter vantagem ilícita.
Quanto ao ato intencional, não há na seara jurídica uma definição perfeita para a ação. De maneira geral dizemos que a intencionalidade de uma ação está ligada a consciência da pessoa de realizar determinado ato. De fato, para realizar um ato com a intenção de fazê-lo é necessário a autonomia de vontade ou o querer fazer. Trazendo para questão em tela, o fraudador tem a intenção de cometer a fraude e receber a vantagem ilícita (FILHO, 2021).
Já, em relação ao uso da falsidade, o direito brasileiro aponta diversas modalidades como a falsidade ideológica, a falsidade documental, entre outras. Neste caso usaremos a definição de falsidade como mentira, fingimento e dissimulação utilizados assim para alcançar o objetivo fraudulento.
Por fim, devemos nos atentar para a questão da vantagem ilícita a legislação brasileira traz a figura tipificada como o estelionato: Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento. (BRASIL, 1940).
Diante disso, resta imperioso anotar que usar de fraude contra os planos de saúde pode acarretar em crime de estelionato.
A página online Healtbit que integra o grupo RaiaDrogasil criada para trazer informações em diversos campos da saúde nos traz um texto bastante interessante sobre as fraudes nos planos de saúde. Segundo e estudo, existem as seguintes fraudes:
- Fraude na declaração de saúde: o beneficiário omite a existência de doença preexistente;
- Fraude no uso do plano de saúde: determinada pessoa não segurada usa a identidade de beneficiário para gozar indevidamente de determinado benefício;
- Fraude no pedido de reembolso: aumento indevido dos valores dos serviços para aumentar indevidamente o reembolso a ser recebido pelo plano de saúde;
- Fraude no tipo de serviço: o médico, com a concordância do beneficiário, informa serviço diverso do realizado para obter a cobertura do plano de saúde;
- Fraude na determinação da quantidade ou qualidade de materiais: o hospital declara que utilizou um número maior de materiais médico hospitalares para o plano de saúde ou presta declaração indevida de que utilizou materiais de melhor qualidade do que os efetivamente empregados no procedimento;
- Fraude na duração da internação: o médico prolonga desnecessariamente o período de internação do paciente para aumentar o número de diárias do plano de saúde;
- Fraude na prestação de serviço: fornecedores ou seus distribuidores oferecem uma porcentagem de comissão ao profissional para que ele indique ou use o seu medicamento/dispositivo;
- Fraude na judicialização: o médico indica ao paciente um tratamento ou medicamento que não é coberto pelo plano de saúde. Advogado em conluio com o médico, judicializa a demanda para que o plano de saúde seja obrigado a pagar pelo tratamento/medicamento. Médico e advogado podem receber comissões dos fornecedores e distribuidores;
- Glosa de pagamentos de maneira injustificada ou discricionária por parte da operadora de plano de saúde, quando da existência de poder de barganha no relacionamento entre a operadora e o hospital. Este tipo de situação pode ser considerado nocivo à relação entre os agentes quando a glosa ocorre em situações de mera instrumentalidade, visando exclusivamente a redução de custos, com a finalidade de manter capital de giro ou de diminuir o valor a ser pago ao hospital;
- Atraso intencional no pagamento de contas, com a finalidade de indiretamente reduzir os valores devidos e postergar o desencaixe financeiro;
- Conflito de interesses de acionista em comum de operadora de plano de saúde e hospital, que utiliza sua posição para beneficiar as operações da operadora (HEALTBIT, 2023).
Notadamente nos tipos de fraudes citados anteriormente verificam-se diversos tipos de crime, como estelionato, falsidade ideológica, falsidade documental, perigo da vida ou da saúde de outrem e pode ocorrer tanto por parte dos usuários, quanto das operadoras. Diante desta colocação, Guimarães comenta:
Quanto ao sujeito passivo, é pertinente a lição de Fragoso, segundo a qual “nos crimes contra o corpo social ou a sociedade (…), há ofensa a interesse que pertence a todos os cidadãos, considerados uti singuli, motivo pelo qual é sujeito passivo necessariamente a coletividade ou o corpo social, e não o Estado como pessoa jurídica”. A regra é que os crimes contra o consumo se apresentem como “crimes vagos”, nos quais o interesse é difuso e pertencente a toda a coletividade de consumidores, não se fazendo necessária a presença de um consumidor específico. (…) Dilui-se a lesão entre um número indeterminado de cidadãos que compõem o corpo social (GUIMARÃES, 2004, p. 48).
A lição que se tira até aqui é que a fraude nos planos de saúde além de atentar contra o patrimônio das operadoras e fazer aumentar valor das mensagens para os usuários, ela pode também colocar a vida de outras pessoas em perigo o constante processo de deteriorização da qualidade da assistência à saúde no Brasil.
Consequências das fraudes para as prestadoras de saúde
As fraudes contra as prestadoras de saúde podem trazer graves consequências, tanto para os usuários quanto para as empresas. Num primeiro momento analisemos o caso da sinistralidade nos planos de saúde tendo em vista que as operadoras necessitam equilibrar econômica e financeira o negócio. Se há gastos excessivos na prestação dos serviços de saúde, evidentemente a empresa terá problemas com a sinistralidade que deve permanecer na casa de 75%, conforme aduz Pires na constatação descrita a seguir: […] uma relação de sinistralidade aceitável é da ordem de até 75%, ou seja, os custos representarem até 75% da receita adquirida. Esta medida apresentada acima permite ao plano de saúde custear suas despesas administrativas, comerciais e ter uma margem de lucro que viabilize o negócio de saúde (PIRES, 2008, p. 2).
Notadamente, quando a empresa tem problemas com a sustentabilidade do negócio, “pode tornar inviável a manutenção da carteira dos planos menores e, quando os custos são repassados aos consumidores estes, por sua vez, poderão apresentar dificuldades em honrar os pagamentos” (OLIVEIRA, 2014, p. 21).
As fraudes impactam diretamente os planos de saúde, seja na sinistralidade, traz impactos financeiros, acarreta a baixa de qualidade no atendimento ao paciente, no cancelamento de planos de saúde e dívidas desconhecidas (HEALTBIT, 2023).
Quanto aos impactos financeiros, a ANS divulgou estudo em 2017 para avaliar os gastos com os planos de saúde. A realidade apontada pelo estudo foi chocante, uma vez que: Considerando que 18% dos gastos totais das contas hospitalares são fraudes e 40% dos pedidos de exames laboratoriais não são necessários, ou são fraudes, houve um gasto na saúde de aproximadamente 15 bilhões de reais com fraudes em contas hospitalares e 12 bilhões de reais em pedidos de exames laboratoriais não necessários, em 2017 (HEALTBIT, 2023).
Quanto à assistência médica hospitalar, o estudo da ANS apontou uma questão bastante preocupante. […] quando analisamos o valor de custos que procedimentos desnecessários e/ou fraudulentos, percebemos que ela indica 19,1% das despesas totais assistenciais das operadoras médico-hospitalares, que somaram R$ 145,4 bilhões, em 2017. Esse valor desperdiçado compromete a qualidade da assistência, as finanças do setor e onerando os contratantes de planos de saúde, fazendo com que toda a cadeia de atendimento tenha uma qualidade inferior ao ideal (HEALTBIT, 2023).
Levando-se em consideração que a relação entre usuário e prestador de serviço é uma relação consumerista, ou seja, regulada pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). “Isso se dá, porque a operadora de plano de saúde oferece o serviço de assistência à saúde, figurando como fornecedora por oferecer o plano de saúde, e o beneficiário adquire o plano que lhe é oferecido, figurando, então, como consumidor” (RIBEIRO, 2019, p. 22). Corroborando com o exposto, Rabelo dispõe: A segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou que se aplica o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de planos de saúde. A afirmativa consta na nova súmula do superior tribunal de justiça. As referências da súmula são as leis Nº. 8.078/1990 (Código De Defesa do Consumidor) e a lei nº 9.656 de 1998, que dispõe sobre planos e seguros privados de assistência à saúde (RABELO, 2018, p. 36).
Desta forma, o consumidor, segundo o CDC é a parte mais vulnerável na relação jurídica gerada através do contrato do plano de saúde.
O Código de Defesa do Consumidor procurando proteger este de eventuais abusos por parte dos fornecedores taxou de nulas as cláusulas consideradas abusivas, conforme se constata da redação do artigo 51 e seus vários incisos do CDC, que exemplifica algumas hipóteses de abusividade. Qualquer cláusula contratual abusiva que for inserida em um contrato de natureza consumerista, tal como os contratos de plano 37 de saúde, deverá ser considerada nula de pleno direito, portanto inaplicável ao consumidor (RABELO, 2018, p. 37).
Importante verificar que algumas práticas abusivas são frequentemente verificadas nos planos de saúde, como a limitação temporal nos casos de internação, negativa na cobertura de doenças e procedimentos e a Suspensão ou rescisão contratual de forma arbitrária (RABELO, 2018).
No entanto, geralmente os contratos de serviços particulares de saúde são contratos de adesão, conforme o artigo 54 do CDC. Esta modalidade de contrato impõe a obrigação da empresa em informar as cláusulas a serem pactuadas, porém não impede que sejam inseridas cláusulas que foram discutidas individualmente entre usuário e prestadores do serviço de saúde. Outra questão importante a ser observada é que o contrato garante a assistência e o tratamento médico. Entretanto não garante a cura ou êxito no tratamento (RABELO, 2018). Não há que se negar que a vida humana é um direito inerente ao ser humano, e a saúde se insere neste direito como algo fundamental que garante o exercício da dignidade humana. Desta forma, para garantir os preceitos fundamentais da Constituição Federal de 1988 é necessário que o acesso à saúde seja desenvolvido de forma irrestrita (RABELO, 2018).