Foi aprovado hoje, 09 de dezembro, pelo Presidente da República, o Projeto de Lei nº 2597/2024 (antigo PL 3555/2004), conhecido como o Marco Legal dos Seguros. O projeto, aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, havia sido encaminhado para sanção presidencial em novembro.
Com a nova Lei, o Brasil passará a adotar um modelo dual, com uma Lei de Contrato de Seguro somada à atuação da autoridade reguladora, colocando o país no mesmo sentido das muito recentes reformas de países como a Inglaterra, Alemanha, Bélgica, Reino Unido e Japão, que promulgaram ou reformaram suas leis específicas para o contrato de seguro, experimentando crescimento econômico do setor.
Confira no artigo abaixo, o que muda para segurados e seguradoras.
Aspectos polêmicos do Novo Marco Legal de Seguros. O Projeto de Lei facilitou a contratação para segurados ou para seguradoras?
Projeto visa a modernização do setor de seguros e traz benefícios a seguradoras e segurados
Por Izabela Rücker Curi*
A Câmara dos Deputados aprovou recentemente o projeto de lei Projeto de Lei 2597/24, que altera as regras do setor de seguros, com o objetivo de oferecer mais proteção e transparência ao mercado de seguros, tanto seguradoras quanto segurados. Trata-se do novo marco legal dos seguros e que agora segue para sanção presidencial. Estabelece regras importantes, como a lista dos casos em que a seguradora poderá encerrar o contrato de forma unilateral. Afora esta lista, nos demais casos, o encerramento unilateral está proibido.
Em busca de maior clareza nos contratos, o projeto exige que os riscos e interesses que não são cobertos pelo seguro sejam descritos de forma clara e sem ambiguidades. Além disso, em caso de divergência entre as condições do contrato e os modelos ou notas técnicas fornecidas pela seguradora ao órgão regulador, o texto mais favorável ao segurado deverá ser o que vai prevalecer.
Outra medida importante do projeto é a determinação de que, quando a seguradora oferecer cobertura para diferentes tipos de riscos, as condições para cada um deles devem ser tratadas separadamente, evitando que a nulidade de uma cláusula afete as demais.
Ainda, o projeto também prevê que o contrato será considerado nulo se, no momento da assinatura, uma das partes souber que o risco é impossível ou já aconteceu. Nesse caso, a parte que firmar o contrato, mesmo ciente dessa situação, terá que pagar à outra o dobro do valor do prêmio.
Outro ponto interessante trata do aumento ou da redução do risco segurado. Se houver um aumento no risco inicialmente calculado para determinar o prêmio do seguro, e esse aumento fizer com que o valor do prêmio recalculado seja superior a 10%, o segurado terá o direito de recusar esse aumento. Nesse caso, ele poderá solicitar o cancelamento do contrato dentro de um prazo de 15 dias, contados a partir do momento em que for informado sobre a mudança no preço. No entanto, a revogação do contrato será válida a partir do momento em que o risco tenha sido efetivamente elevado.
Se ocorrer um sinistro (como, por exemplo, a perda ou dano do patrimônio segurado) durante esse período de 15 dias, a seguradora só poderá se recusar a pagar a indenização se conseguir provar que há uma relação direta entre o aumento significativo do risco e o sinistro. Além disso, se o risco sofrer uma redução significativa, o prêmio será ajustado para baixo, de forma proporcional à redução do risco. No entanto, as despesas que a seguradora já teve com a contratação do seguro serão descontadas proporcionalmente.
Sobre o seguro de vida, de acordo com o Projeto de Lei, o contratante tem total liberdade para determinar o valor tanto do prêmio, ou seja, o valor a ser pago periodicamente pela apólice, quanto do capital segurado, que é o montante a ser pago em caso de sinistro, como a morte ou invalidez do segurado. Esses valores podem ser ajustados ao longo do tempo, conforme o desejo do contratante.
Em relação ao pagamento do capital segurado no caso de falecimento do segurado, é importante destacar que esse valor não entra no processo de sucessão de bens, ou seja, não é considerado parte da herança do falecido. Isso significa que o capital não será distribuído entre os herdeiros, mas sim pago diretamente ao beneficiário designado no contrato de seguro. Além disso, os planos de previdência complementar, que têm o objetivo de garantir uma aposentadoria ou complementação de renda, são equiparados ao seguro de vida para efeitos legais, tendo tratamento similar no que diz respeito ao pagamento de valores aos beneficiários.
A indicação do beneficiário do seguro é totalmente livre e flexível, permitindo ao segurado escolher quem receberá o valor do seguro em caso de sinistro. Essa escolha pode ser alterada a qualquer momento durante a vigência do contrato, inclusive por meio de uma declaração de última vontade, como um testamento. No entanto, se a seguradora não for informada de forma adequada e no prazo devido sobre a mudança de beneficiário, ela não será responsável caso o pagamento seja feito ao beneficiário original, antes da alteração.
Adicionalmente, se a seguradora, ao ser notificada sobre a morte do segurado, não conseguir identificar um beneficiário ou dependente legalmente designado dentro do prazo de três anos estabelecido pela legislação para reivindicação do capital segurado, o valor será considerado “abandonado”. Nesse caso, o montante será transferido para o Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil (Funcap), um fundo destinado a ajudar em situações de emergência e calamidade no país.
O Projeto de Lei 2597/24 estabelece que não será permitido exigir prazo de carência em contratos que sejam renovações ou substituições de contratos já existentes, mesmo que tenham sido firmados com outra seguradora. Além disso, qualquer prazo de carência acordado deve respeitar certas condições: ele não pode ser definido de maneira que inviabilize o uso das garantias previstas no contrato e deve ser, no máximo, equivalente à metade do período de vigência do contrato, que geralmente é de um ano.
Pagamento do sinistro
Com relação ao pagamento do sinistro, o Projeto de Lei aborda algumas questões importantes:
Quanto ao prazo para para pagamento parcial: Se um contrato prevê pagamentos parciais de indenização, a seguradora terá até 30 dias para realizar esses pagamentos. Esse prazo começa a contar assim que for confirmada a ocorrência do sinistro (o evento que gera o direito à indenização) e identificado o valor parcial a ser pago.
Quanto ao prazo para análise de cobertura: Após a entrega de todos os documentos e informações exigidos pelo contrato, a seguradora terá 30 dias para decidir se a cobertura solicitada é válida. Caso ultrapasse esse prazo sem se manifestar, perderá o direito de negar a cobertura.
Nos casos mais complexos: Em seguros mais difíceis de analisar, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) poderá permitir um prazo maior, limitado a 120 dias, para a seguradora verificar se a cobertura é válida.
No caso de interrupção e retomada do prazo: Durante o prazo de análise, a seguradora pode solicitar documentos adicionais para complementar a avaliação. Esse pedido pode suspender o prazo em até duas ocasiões. A contagem do prazo é retomada no primeiro dia útil após o cliente atender à solicitação. Há exceções para seguros de veículos e seguros com valor de até 500 vezes o salário mínimo, nos quais o prazo pode ser suspenso apenas uma vez.
Em caso de recusa de pagamento: Caso a seguradora decida não pagar a indenização, ela deve comunicar essa decisão de forma clara, explicando o motivo. Uma vez negado o pagamento, a seguradora não pode mudar os argumentos usados para justificar a recusa, a menos que surjam fatos novos que ela desconhecia na época da decisão.
Para pagamentos após a cobertura ser aprovada: Os mesmos prazos, suspensões e pedidos de documentação aplicam-se ao processo de liberação do pagamento após a seguradora reconhecer a validade da cobertura. Para seguros de vida, só será permitida uma única suspensão do prazo.
Proteção e benefícios
Em conclusão, o projeto de lei, como um todo, visa a modernização do setor de seguros. Todavia, há diversos tipos de críticas sendo feitas no sentido de que o projeto priorizaria o interesse apenas dos segurados, quando, em verdade, contém disposições de proteção ao segurado, como se a nova lei fosse aplicável apenas a contratos massificados, sem se fazer diferenciação ou ressalva quanto aos contratos paritários, como o de seguro de grandes riscos.
Quando a lei vem para estabelecer tantas mudanças importantes, como é o caso, somente será possível colher os frutos, positivos ou negativos, na prática. A nosso ver, o Projeto de Lei veio a trazer benefícios tanto para segurados quanto para as seguradoras. Ambos devem trabalhar juntos para que os contratos de seguros os beneficiem. Caberá aos interessados extrair o melhor e dar para a lei sua correta interpretação, com o apoio técnico dos advogados especialistas e dos Magistrados, enquanto intérpretes da norma.
*Izabela Rücker Curi é advogada, sócia fundadora do Rücker Curi – Advocacia e Consultoria Jurídica e da Smart Law, startup focada em soluções jurídicas personalizadas para o cliente corporativo. Atuante como conselheira de administração, certificada pelo IBGC.